31 janeiro 2012

A Ciência do Otimismo parte II

Continuação....

Quem é otimista faz naturalmente esse movimento. Para a maioria dos brasileiros, por exemplo, o Congresso é formado por uma corja de ladrões e a única solução seria a prisão coletiva. Essa, porém, nunca foi a solução antevista pelo publicitário mineiro Fernando Barreto, 39 anos, um otimista político de carteirinha. “Não acreditar na validade do sistema democrático é o mesmo que desistir dele”, afirma. “O que precisamos é fazê-lo evoluir e, para isso, a gente precisa acreditar nele.” Em vez de gastar o tempo falando mal dos deputados e senadores em mesas de bar, Barreto reuniu dois amigos e foi pensar ferramentas que permitissem aos cidadãos monitorar seus representantes. Na frente do computador, inventaram o Vote na Web, plataforma por meio da qual é possível acompanhar o trabalho dos legisladores – como votam e o que propõem. “Ouvimos muito a frase ‘brasileiro não gosta de política, isso não vai dar certo’”, diz. De ideia de maluco a iniciativa louvada pela Organização das Nações Unidas foram menos de três anos.

“Sem otimismo você não sobrevive ao
tratamento. Ele é doloroso e exige muito”
OTIMISTA NA DOENÇA
Carla Mannino, que passou por dois anos de quimioterapia e
radioterapia para tratar um câncer de mama diagnosticado em 2006


Se o otimismo de uma pessoa ou de um pequeno grupo já é capaz de gerar iniciativas interessantes, como é o caso do Vote na Web, o que não dizer do comportamento positivo generalizado? Quando centenas, milhares de pessoas acreditam que algo vai dar certo, dá certo? A resposta, de acordo com um grupo de pesquisadores da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, é sim. Para chegar a essa conclusão, eles realizaram um estudo pioneiro em que cruzaram índices de recuperação econômica e otimismo da população nos Estados Unidos. Quando havia mais otimismo, a recuperação acontecia de forma mais rápida. “O resultado nos surpreendeu. Estamos planejando agora um estudo para avaliar se o mesmo mecanismo pode ser aplicado às empresas”, disse à ISTOÉ Alok Kumar, coordenador do trabalho. Laure Castelnau, diretora-executiva de marketing e novos negócios do Ibope Inteligência – responsável por levantar os dados brasileiros para o Barômetro Global do Otimismo –, explica que esse é o motivo do interesse em se medir o otimismo da população. “É uma medição da expectativa. Ele mostra o que as pessoas esperam em relação aos preços, à educação e ao crescimento econômico”, diz.
Um bom exemplo de aposta no otimismo coletivo é o Fórum Social Mundial. Nascido em solo brasileiro, na cidade de Porto Alegre, em 2000, desde então, o evento reúne, anualmente, milhares de manifestantes embalados pelo lema de que “um outro mundo é possível” para debater propostas relacionadas ao bem coletivo. Um dos criadores do modelo é o político e ativista Chico Whitaker, 80 anos, “um otimista social”, como ele mesmo gosta de se definir. O conceito, explica, usa em contrapartida ao otimista individual. Enquanto este se move pela confiança em si e pela ambição, aquele tira forças da confiança no outro e da esperança. “Não é uma visão Poliana”, faz questão de justificar, numa analogia à personagem da literatura juvenil imortalizada pelo “jogo do contente” (estratégia por ela inventada para sempre ver o lado bom das situações ruins). “Mudar o mundo é ‘dificilérrimo’, mas, apesar disso, é preciso continuar.” Pode parecer utópico, mas, se a ciência mostrou a influência do otimismo de um povo na recuperação econômica de um país, por que esse mesmo fator não poderia impactar na desigualdade social?

E não é só fora de casa que o clima otimista ajuda. Entre quatro paredes, pensar positivo também traz ganhos. Para o psicólogo Tal Ben-Shahar, que se tornou famoso por lotar salas de aula na Universidade Harvard (EUA) para ensinar psicologia positiva, o otimista faz bem ao seu entorno. “Para o otimista, estar em uma relação é uma forma de se sentir mais forte diante dos problemas”, disse Ben-Shahar à ISTOÉ. Enxergando o companheiro como aliado, e não como inimigo, a situação doméstica fica harmoniosa. “O otimista dá mais apoio ao companheiro e isso ajuda a resolver os conflitos de um modo mais construtivo e menos violento”, disse à ISTOÉ Sanjay Srivastava, pesquisador do laboratório de personalidade e dinâmica social da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos. Isso não necessariamente os faz se divorciar menos, mas encarar com desenvoltura novas relações.
“O que precisamos é fazer o sistema democrático evoluir e,
para isso, a gente deve acreditar nele, não desistir nunca”

OTIMISTA POLÍTICO
Fernando Barreto, publicitário que, com amigos, resolveu criar
uma ferramenta para acompanhar o trabalho dos congressistas


Que o diga a blogueira e escritora paulista Gisela Rao, 47 anos. Feliz como se fosse subir ao altar pela primeira vez, ela se prepara para consumar o terceiro casamento, em março, com o representante comercial Beto Lima, 33 anos. “É diferente, estou mais madura na relação”, diz. Desta vez, garante, o futuro marido é “do seu número”. “Escolhi alguém dentro do perfil que eu queria. Nos outros casamentos não tinha essa mesma clareza.” Após ouvir uma entrevista de Gisela sobre seu livro “Não Comi, não Rezei, mas me Amei” (Editora Matrix), Lima resolveu procurá-la. Foi amor à primeira vista. Em três meses estavam noivos e de casamento marcado. Os fantasmas dos relacionamentos passados, garante a escritora, não assombram a felicidade que transborda do casal atualmente.

Não só metaforicamente o otimismo faz bem ao coração. Está comprovado: acreditar no amanhã protege de doenças cardiovasculares. Em um estudo feito pela Universidade de Michigan (EUA), um ponto a mais de otimismo, em uma escala que variava de zero a 16, representava 9% a menos de chance de ter um infarto. Quem é mais otimista abraça de forma mais contundente suas obrigações de paciente. Toma a medicação de forma controlada e adere às dietas alimentares sem reclamar. Além do sistema cardiovascular, a imunidade também melhora. “Avaliando um grupo de 124 estudantes, observamos que, quando estavam mais otimistas que o usual, o sistema imunológico respondia de forma mais consistente”, explicou à ISTOÉ a cientista Suzanne Segerstrom, da Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos.


“Mudar o mundo é ‘dificilérrimo’, mas,
apesar disso, é preciso continuar”

OTIMISTA SOCIAL
Chico Whitaker, um dos fundadores do Fórum Social

 

Por isso muitas equipes de saúde focam seus trabalhos em fazer com que os pacientes de enfermidades graves enfrentem com otimismo os tratamentos aos quais devem se submeter. “Os estudos apontam para uma relação entre estresse, depressão e progressão da doença”, diz Carla Mannino, especialista em psico-oncologia da CliniOnco, em Porto Alegre. Foi com lenços na cabeça, orações e esperança que a aposentada gaúcha Mara Fátima Parassolo, 56 anos, superou os quase dois anos de radioterapia e quimioterapia para extirpar um câncer de mama. Ela recebeu o diagnóstico no dia 4 de julho de 2006. “Na hora desabei, mas no dia seguinte percebi que eu precisava me erguer e partir para a segunda etapa, que era me tratar.” Quando soube que teria de fazer uma quimioterapia “daquelas que o cabelo cai”, não titubeou. Foi ao salão e passou máquina zero na mesma hora. “Sem otimismo você não sobrevive ao tratamento. Ele é doloroso e exige muito do paciente.”

Como tudo na vida, todavia, excesso de otimismo também faz mal. É inegável que na sociedade contemporânea há uma pressão social muitas vezes exacerbada exigindo que as pessoas enxerguem sempre o lado bom da vida, sejam felizes e não sofram. “No esforço de evitar o sofrimento o ser humano já fez muita tolice”, alerta o filósofo Paulo Vaz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O risco de se tornar um otimista patológico é superestimar as expectativas positivas. A economista Manju Puri, da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, afirma que a falta de avaliação de riscos deixa essas pessoas muito expostas. “Quem tem esse perfil pensa que não é preciso poupar dinheiro e que a economia vai sempre estar melhor”, afirma. O resultado disso é que, por excesso de confiança, a pessoa não se previne. “O pessimismo também tem seus benefícios, ele nos protege de desapontamentos”, avalia a psicóloga Kate Sweeny, da Universidade da Califórnia (EUA), autora de um artigo em que defende o comedimento nas doses diárias de otimismo. Por isso, acredite no otimismo. Mas, como tudo na vida, use com moderação.
Mundial, acredita que é possível melhorar a sociedade



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